terça-feira, 30 de novembro de 2010

Mas Minha Alma, não Acalmo!

Crucifixo da Catedral de Port au Prince,
Haiti depois do sismo de Jan. de 2010

Como o coração doeu
Quando o mar grande avançou
Há poucos anos, Deus meu,
Devastando o que encontrou.


Como senti a tristeza
Do sofrimento causado
P'las forças da Natureza
Contra povos sem pecado.


Prometi não mais cantar
O mar lindo, azul e calmo,
Nem a traição perdoar.
Mas minha alma, não acalmo!


Agora ‘inda foi pior,
Sismo da maior violência
A abalar tudo em redor
Destruindo sem clemência


Irmãos nossos, suas vidas,
Seus lares, suas cidades,
Estruturas abatidas
Causando fatalidades.


Quantas pessoas perdidas,
Os pais sem os filhos seus,
As crianças sem guarida.
Como sofrem, sabe Deus!


As réplicas sucedendo
Sem se fazerem ‘sperar.
E, aterrados, predizendo
Que o mundo vai acabar.


Mandai anjos, meu Senhor!
Todos venham pra ajudar
O pobre Haiti, do pavor
Em que o vemos mergulhar.


Povos irmãos solidários
Socorrei-o sem demora.
Que não se tornem precários
Nossos esforços de agora.


Aplacai ó meu Jesus
As forças da Natureza.
Do alto da Tua Cruz
Só Tu podes, com certeza.

Maria da Fonseca

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Como Soa o Poema de Ilona Bastos

foto de Ilona Bastos

Como Soa O Poema

 Não soa o poema ao criador.
Irrompe do fundo de nenhures,
Pensamento luminoso, súbito
Na brancura do papel a derramar.



Não soa em alta voz a poesia.
Pois é ideia ágil, forte e clara,
É passo vivo ou mesmo galopante,
Que o braço move e leva pelo ar.


Não soa como som, já que é mais luz,
Corrente descendente até à mão,
Vaivém audaz do lápis no papel
Furor intenso e débil a criar.


Não soa como o fazem as tiradas,
Libertas na conversa ou no canto.
Não soa como corpo, pois é alma
Das letras e palavras faz seu pranto.


Ilona Bastos



domingo, 28 de novembro de 2010

Violetas de Branco Orladas

foto de Ilona Bastos

Tinha a certeza, queridas.
Seríeis brancas violetas!
Aguardava que florísseis,
Lindas florzinhas dilectas.


No vaso co’ irmãs lilases,
Nascestes de duas cores.
Assim eu vos quero mais,
Gentis e mimosas flores.


Brotam minhas redondilhas
Ingénuas, puras, singelas,
Ao ver-vos tão aniladas,
De branco, orladas e belas.


Dizem que modestas sois,
Violetas do meu lar.
Encontro-vos bem vaidosas,
De corola a deslumbrar!


Iluminando a marquise,
Assim de branco enfeitadas,
Surgis, neste nosso Inverno,
Como carinhosas fadas.


Há pouco o vaso espreitei,
E, achei com alegria
Dois pequenos botõezinhos,
Cheios de encanto e magia.


O que eu pude vislumbrar
Das pétalas que entrevi,
Foi a brancura passada,
Que noutro tempo ali vi.


O florir das violetas,
Recebo com emoção.
Conhecer vossa surpresa
Alegra o meu coração.

Maria da Fonseca

sábado, 27 de novembro de 2010

O Tempo

 Perfil do Tempo de Salvador Dali

Esse meio inexorável
Que nos dá tanto e nos tira
Ao longo da nossa vida,
Quando em volta tudo gira!


Sentimos a evolução
Hora a hora, dia a dia.
Até a Criação Divina
Por vezes perde a harmonia...


Debaixo do azul do céu
Folgamos e padecemos
Em variados momentos.
Logo a Deus os of’recemos!


E sempre o tempo a passar
Persistente, invariável.
Único que não desiste
E se mantém imutável.


Mas uma vez …cessará
Sem mais contas, nem idade,
Jesus nos receberá
Dando-nos a Eternidade!

Maria da Fonseca

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

A Gata Glamorosa




Ao soar da meia noite,
Passeiam pela viela,
Os gatos silenciosos,
Que deslizam com cautela.


A Lua tudo ilumina.
Por entre o lixo e a sucata,
Percebe-se 'inda o perfil
Da tão glamorosa gata.


Foram todos convidados
Para o seu baile anual.
E vão chegando um a um,
Nesta noite especial.


O ambiente tão triste
De degradada pobreza
Transforma-se por magia
Num cenário de beleza.


Dançam e cantam os gatos
Em ritmo enfeitiçado,
Recordando com ardor
Memórias do seu passado.


Primero lentos, arteiros,
A observar, sem ruído.
Depois correm e apanham
O rato desprevenido.


Não se arrependem sequer
Das antigas travessuras.
Nem da sua vida errante,
Com centenas de aventuras.


Uma gata vai-se embora.
Seu guia a ajudará
Com o saber dos seus anos.
Do mundo se elevará!


É Glamorosa que parte,
Com saudade da viela,
Onde tão feliz viveu,
Quando, aí, era a mais bela.


Rendida, alegre e ousada,
A gatinha muito amou.
Coração apaixonado,
O luar testemunhou.


Uma outra vida a espera,
Agora que envelheceu.
É próprio da natureza,
Tudo o que lhe aconteceu.


Assim, os da sua espécie
Escutam o adeus ardente
Da velha gata saudosa,
Na sua canção plangente.


A escada do paraíso,
Sobe de cabeça erguida.
Leva consigo a Memória
Dos amores da sua vida.

Maria da Fonseca

(como vi a ópera CATS de Andrew Lloyd Webber)

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Do Meu Lar



Diante desta beleza
Esqueço que é a cidade!
Só distingo a Natureza,
É a minha realidade!


Rever nosso Sol amigo
De manhã ao acordar.
Lembrar que sonhei contigo
Porque me estás a abraçar.


Ouvir do melro o cantar
E do pardal o piado.
Tomar da manhã o ar,
Ligeiramente orvalhado.


Manter viva e palpitante
A memória do olhar.
O colorido brilhante
Do que vejo, observar.


Cada dia a agradecer
O bem que Deus me destina.
Harmonia no viver
Enquanto for peregrina.

Maria da Fonseca

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Menino de Rua



Menino sem pai nem mãe,
Pelos outros, envolvido,
Vives na rua, largado.
Só aos teus tu és unido,
Aos pivetes és ligado.


Sem pão, sem lar nem carinho,
Corres a rua madrasta,
Enganado, seduzido.
Muito pouco é o que te basta,
À desgraça reduzido.


Pobre menino franzino,
Pedes com tanta insistência,
Persegues com tanto ardor,
Que afastas a indulgência
E só nos causas temor.


Sem ‘scola, ‘studo, valores,
O menino que é da rua,
Nem à noite tem descanso.
No seu tecto mora a lua
E a pedra é o seu ripanço.


Socorrei esse menino,
O que será seu futuro?
Valei-lhe em sua desdita.
Resgatai-o do escuro,
Regresse à vida bendita.

Maria  da Fonseca

terça-feira, 23 de novembro de 2010

E Finalmente a Chuva



Senti-me pássaro, ave,
A espreitar a chuva agreste,
No vão da escada de pedra,
Batida p’lo sudoeste.


Queria fugir, voar,
Como tinha visto aos pombos,
Quando a chover começou
E se ouviram os ribombos.


Ainda olhei o pessegueiro,
Mas esse, menos feliz,
O mau tempo ia sofrer,
Preso ao chão pela raiz.


Salpicos me incomodavam,
Trazidos pela rajada.
Um arrepio me agitou,
Apesar de abrigada.


T’ria mesmo de esperar
Que a chuva abrandasse,
E com cuidado seguir
Para que os pés não molhasse.


Mas, tinha o coração quente,
Agradecida ao Senhor,
Pela chuva benfazeja,
Após a seca e o calor.


A relva a tapar a terra
Castanha, faz tempo assim,
Folhas a reverdecer
Na humidade do jardim.

Maria da Fonseca


segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Os Rebentos do Plátano



Quando teu tronco serraram,
Fiquei triste e pesarosa.
Com os olhos rasos de água,
Disse-te adeus, desgostosa.


Porque tinhas muita idade,
Meu plátano majestoso?!
Abateu-te um grupo hostil,
Terminante, impiedoso.


A ninguém aproveitou
Tua queda programada.
A árvore morre de pé,
Só depois será cortada.


Tuas folhas me encantavam
Ao chegar da primavera.
E tarde caíam secas,
Na estação mais severa.


Restou teu tronco ferido
Unido à raiz imensa.
Mataram-te, meu amigo,
Mas impões tua presença.


Ao caírem os teus ramos
Na terra que os viu crescer,
Encheram-na de sementes,
Que não quiseram morrer.


A prova é bem evidente.
Os rebentos já lá estão,
Com abundante folhagem.
Só que brotaram do chão!

Maria da Fonseca

domingo, 21 de novembro de 2010

Ciclamen



Ainda meio ensonada
Devagar corro a cortina.
Bela a planta iluminada
P'la branca luz matutina.


Linda surpresa of'receste
Nesta manhã outonal,
Dos botões que concebeste
Um floriu, especial.


Tão formosa borboleta
 Me parece, minha flor
De singular silhueta
E de avermelhada cor.


Em simples haste pousadas
Cinco pétalas sedosas
como asas inspiradas
Nas das lindas mariposas.


Confunde-me a Natureza!
Aos meus olhos de mulher
Revela toda a beleza,
Quanta a que o Senhor lhe der.

Maria da Fonseca



sábado, 20 de novembro de 2010

A Fernando Pessoa

escultura de Fernando Pessoa


Do nosso tempo, o Poeta
Foste tu, grande Pessoa.
Quero prestar-te homenagem
Da tua amada Lisboa.


Noutras terras tu viveste,
Outras línguas tu falaste,
Mas na nossa és o maior,
Nossa Pátria realçaste.


Toda a vida dedicada
À escrita e ao pensamento.
Na verdade não fingiste,
Como versa em teu lamento.


Versátil e genial
Criaste fícteis autores,
Várias personalidades,
Distintos versejadores.


Teu dom da alteridade
De uma riqueza brilhante
Concedeu a cada um
Seu ideal relevante.


Insuperável poeta
De fama universal
Dilataste teu sentir
Muito além de Portugal.

Maria da Fonseca

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Sátira aos Penteados Altos de Nicolau Tolentino de Almeida



 
Nicolau Tolentino de Almeida
(1741-1811)



Sátira aos Penteados Altos

Chaves na mão, melena desgrenhada,
Batendo o pé no chão, a mãe ordena
Que o furtado colchão fofo e de pena,
A filha o ponha ali, ou a criada.


A filha, moça esbelta e aperaltada,
Lhe diz co'a doce voz que o ar serena:
"Sumiu-se-lhe um colchão?! é forte pena;
Olhe não fique a casa arruinada.


"Tu respondes-me assim? Tu zombas disto?
Já cuidas que por ter pai embarcado,
Já a mãe não tem mãos?" E, dizendo isto,


Arremete-lhe à cara e ao penteado;
Eis senão quando (caso nunca visto!)
Sai-lhe o colchão de dentro do toucado.


quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Nostalgia


 
Saudade de um passado que existiu
Guardado p’r uma fada caprichosa,
 Cabelos loiros, face radiosa,
Que através dos séculos se sumiu.

 
Não crêem os sábios que exististe.
Julgam quimera ou talvez fantasia,
O místico perfume da poesia,
Que envolve os lugares donde partiste.


Quem sabe se num castelo encantada,
És vítima indefesa do progresso.
Tu, gentil e misteriosa fada,


Talvez ainda esperes, resignada,
O perdão de irrisório congresso,
Que te dê a liberdade ansiada.

Maria da Fonseca

(soneto escrito na sua juventude)


quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Carinho



Sei que vais preocupado!
Mas olha o lindo caminho,
As folhas secas, douradas,
Volteiam em remoinho.


Depois dos dias de chuva
Deste Outono tão instável,
O que vemos nos encanta,
Pelo que tem de amigável.


Alegre o Sol a brilhar,
Por entre nuvens dispersas,
Secou lesta a humidade.
Rompem as plantas submersas.


Surgem sob nossos pés,
Dispostos como em desenho,
Galhos partidos, cruzados.
O vento teve o engenho!


Vês o melro como corre,
A fugir parece estar!
De repente a passarada
Por nós passa a chilrear.


Sei que vais preocupado!
Olha que lindo o caminho.
Não quero ver-te sofrer,
De mim tens todo o carinho!

Maria da Fonseca

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Marcas do Destino


Marcas do tempo passado,
Trago-as como peregrino
Desde longe, longes tempos.
São as marcas do destino!


Sinalam meu corpo e alma.
E nem sequer são saudosos,
Certos momentos vividos,
Difíceis e caprichosos.


Teu amor, esta harmonia,
Meu tempo suavizou.
Mas algum, nós o perdemos,
E por isso me marcou.


Não foi possível deter
Esse tempo incontrolável,
Breve, quando era feliz,
Longo, quando insuportável.


As marcas comigo vivem
Neste instante, a recordar,
Não creio seja exp’riência,
Nem algo pra vos legar.


Servem, contudo, acredito,
Prò Senhor me receber,
Concedendo-me o perdão
No momento em que eu morrer.

Maria da Fonseca

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

A Minha Plantação de Girassóis de Maria João Costa


foto de Ilona Bastos

A Minha Plantação de Girassóis

Da janela aberta para a cidade
Vejo a chuva.
Penso nestas pesadas nuvens
Viajando pelo céu
Acinzentando e ameaçando
A minha plantação de girassóis.
Como terão reagido
Às águas em torrente
E aos trovões,
Essas flores que, como eu,
Têm a mania da felicidade ?
Espero que se tenham soltado da terra,
Raízes em suspenso,
Pétalas como asas,
E tenham encontrado abrigo.
Espero que se tenham protegido entre si,
Caules entrelaçados,
Pétalas em abraços.
Espero que nem uma flor
Tenha ficado caída na lama,
E que a esperança tenha unido
Todos os meus luminosos girassóis.
Espero que, face ao vendaval,
e, mesmo sem a luz de qualquer estrela,
nem uma só das minhas flores tenha desistido de viver.

Maria João Costa